Você não é só número
- Estela Aguiar
- 18 de ago.
- 3 min de leitura
Por Estela Aguiar
Nunca imaginei que isso fosse acontecer. Eu me via imune ao desemprego, era impossível acontecer comigo, uma pessoa que se antecipa aos cenários, desenrolada, e que trabalhava de carteira assinada desde os 16 anos. Entretanto, no melhor momento da minha vida, aos 27 anos, quando tudo parecia caminhar bem e a fase estável já durava alguns meses, veio a notícia: “Estamos te desligando.”
E agora? Foi a pergunta que ecoou na minha cabeça. O desemprego sempre foi o meu maior pesadelo. Vi Dona Izabel se aposentar compulsoriamente, descartada pelo mercado de trabalho aos 46 anos. Puro etarismo, ainda tão presente em 2025.
Se, como dizem os Racionais MC’s, “o ser humano é descartável no Brasil”, o trabalhador é a prova mais evidente disso — descartado por múltiplos motivos que o próprio mercado julga pertinentes. E assim me senti: descartada. Talento desperdiçado. Número. Um mero número, nem raro, nem especial.
A dinâmica de utilidade que o trabalho nos dá é algo sobre o qual reflito com frequência. Ele ocupa a maior parte da nossa vida, nos direciona e, muitas vezes, garante — a duras penas — o arroz com feijão no prato de tantos brasileiros. E o desemprego ameaça exatamente isso: o básico.
Os dias seguintes foram terríveis. Sem rotina, meio sem rumo, eu tentava entender quais seriam os próximos passos. Como meu contrato era PJ — e até caberia aqui falar sobre a pejotização do mercado, mas não é esse o tema —, a instabilidade era ainda maior. O desemprego colocava em risco toda a estabilidade que conquistei no último ano, tanto financeira quanto física e mental. Como dormir em paz sem saber se teria o valor do aluguel dos próximos três meses? Como bancar minha comida? A terapia? Tudo que hoje depende integralmente de mim e da minha força de trabalho?
Passei dias na cama, paralisada pela inércia de não conseguir reagir. A vontade era sumir para não enfrentar o turbilhão que me aguardava. Era encarar um dos meus maiores medos. Anunciar que estava desempregada trazia um misto de vergonha, desconforto, revolta, impotência, e até certo distanciamento da minha própria vida.
“Não diga para todo mundo que está desempregada. Pega mal”, foi o conselho que recebi.
Mas, em uma rede de apoio e networking que eu nem sabia ser tão extensa, fui acolhida. Brinco que meu currículo rodou como panfleto. Padeci, mas fui reerguida. Colocaram-me de pé, levantaram minha cabeça, cozinharam para mim. Amigos e família. Eles devolveram a autoestima que o desemprego havia levado.
Hoje, os dias estão melhores. O furacão passou, embora eu ainda esteja desempregada, mas não parada (alô, freelas), aguardando a vaga que me garanta o arroz e feijão no prato até o fim do ano. É uma fase, e vai passar.
O desemprego não será eterno e não poderá roubar de mim tudo o que sou como profissional e como pessoa. Esse poder, ele não tem.
Como diz o Emicida, “levanta e anda” Fui levantada e colocada para andar. Sei que novas portas vão se abrir, e quando isso acontecer, vou lembrar que sobrevivi — mais forte, mais consciente e mais grata. Porque, assim como o sol, nós também voltamos a brilhar. O show tem que continuar, e nosso também vai.
Estela é Jornalista formada, com atuação desde 2019 em produção de conteúdo jornalístico em texto e vídeo para veículos institucionais e de grande circulação. Experiência em vídeo-reportagem, produção de pautas, entrevistas e edição audiovisual, produção de conteúdo para rede sociais, social media e estrategista de conteúdo.
Criativa, colaborativa e reconhecida com o 1º Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Colunista do Canto Baobá.
Para entrar em contato: estelasaguiar11@gmail.com
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