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Matheus Gomes

"E eu preciso aprender a ser só..."



A carreira solo começa na infância, as crianças não querem brincar com você porque você é diferente delas. E então você percebe que pra poder fazer parte de um círculo, você vai precisar se adaptar a eles. E o que ninguém conta é que: para se adaptar você precisa se desassociar de todas as suas características que te tornam diferente, e ainda assim não será o suficiente.


Na adolescência, o processo seletivo fica um pouco mais exigente, e aí você aprende a se odiar e a desejar ser como eles, pois você sabe que o fato de você ser diferente te distância e te priva de tudo que é bom e divertido, e para mudar isso, você se torna a diversão deles.


E depois na juventude, as relações ficam mais superficiais, como você já perdeu sua essência, você começa a se sentir deslocado por ter se esforçado tanto para caber num círculo social e não ter conseguido fazer parte de nenhum.


E então você se torna um adulto solitário, sem essência, sem amor próprio, sem suporte, sem orgulho...


Quando um preto nasce, ele já é invalidado desde o início e é ensinado a se manter distante de si e de seu semelhante para poder fazer parte de algo que não o representa e nem o inclui. E quando esse preto opta por fazer diferente, ele é massacrado, marginalizado, é silenciado sob falsas acusações de vitimização e é deletado... Até ser totalmente esquecido.


Eu sempre me senti só, sempre muito distante dos colegas de classe e até mesmo dos professores. Ao longo do tempo percebi que para deixar de me sentir só eu precisaria me esforçar para caber nos grupinhos.


E quanto mais eu me esforçava, menos alocado eu me sentia. Porque embora eu estivesse adepto aos costumes daquele grupo, eu continuava sendo o único preto.


E então eu mudava o cabelo, as roupas, os gostos, a personalidade... Mas continuava sendo o único preto do grupo.


Eu até descobri a hipersexualização, mas mesmo assim, não era o suficiente para fazer parte de algo.


Eu senti a dor da solidão duas vezes, a primeira vez foi sendo uma mulher preta e a segunda é sendo um homem trans preto.


"E eu preciso aprender a ser só..." Cantava o Tim Maia, e embora o contexto da música seja romântico, faz muito sentido para a minha vivência.


Eu já perdi as contas de quantas vezes eu precisei me anular para caber em locais que não tinham espaço pra mim, fora todas as vezes em que eu me esgotei ao gritar pelo mínimo de inclusão e fui invalidado, afinal, você está onde você se coloca e se você reclama disso, você está se vitimizando


"E eu preciso aprender a ser só..." Cantava o Tim Maia, e eu só entendi aos 22, que eu sou um universo inteiro em constante expansão, que eu não conheço nem metade do que há na minha escuridão e o quão isso é belo e infinito.


E eu preciso aprender a ser só, cantava eu, no centro de uma roda repleta de versões de mim, que juntas formam meu próprio círculo social, com todas as características em comum que temos, onde o único requisito é ser eu.


E eu preciso aprender a ser só, porque embora esteja só, estou completo e quando eu estou só, eu me basto.

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